A reportagem [i] com o título: “O grito perdeu a força em casa e no trabalho. Entenda o porquê” e com o subtítulo: “Se antes a atitude podia ser encarada como sinal de poder e autoridade, hoje não toleramos que alguém vocifere em discussões ou que um chefe berre”, pode mostrar algo muito importante para quem lida com argumentação. No caso, quero chamar a atenção da advocacia criminal para um ponto fundamental: muitos profissionais acreditam que o ato de “gritar” é fundamental para o convencimento dos julgadores (sejam togados ou leigos).
Como destaca a professora de Psicologia na PUCRS e especialista em violência Luísa Habigzang: “Muitas vezes, a pessoa que grita está frustrada e tenta controlar a situação. Mas o grito é ineficaz: pode ter, como retorno, outro grito ainda mais alto ou um enfrentamento. Gritar é um comportamento que pode surgir, mas é muito importante estar atento a esse comportamento para conversar e avaliar os efeitos disso para o outro e para si mesmo.”
De realçar, ainda, no mesmo sentido, uma pesquisa feita na Universidade de Nova York e publicada em 2015, que o grito ativa a amígdala, área do cérebro relacionada ao medo. Por outro lado, uma conversa desperta na mente o interesse de saber de onde vem o som, isto é, o grito não é interpretado como mero som, mas como sinal de perigo e isso, aos poucos, passou a ser menos tolerado pela sociedade brasileira.
Gritar não resolve e atrapalha.
Numa situação de conflito em uma audiência, por exemplo, o grito tende a piorar a situação, podendo inviabilizar a continuação do ato. Quando uma autoridade grita com o advogado, certamente, a melhor resposta não será gritar de volta. Temos sustentado, à exaustão, que a Comunicação Não-Violenta (Marshall Rosenberg) pode e deve ser utilizada para evitar a aceitação do convite ao confronto, à discussão, troca de ofensas e outras possibilidades advindas da perda da racionalidade nos momentos tensos da atividade profissional.
Quando uma autoridade falta com a urbanidade surge para o advogado, que tenha preparo técnico e equilíbrio emocional, a oportunidade de registro da situação e posterior tomada de providências, inclusive, afastando a desequilibrada pessoa da acusação ou da condução do caso. Os gritos revelam despreparo, desespero, insegurança, prepotência ou um modo vaidoso de chamar a atenção para si, como se isso fosse a coisa mais importante do processo.
Na verdade, Juízes, Desembargadores, Ministros e Jurados preferem uma boa e equilibrada argumentação técnica do que gritos. É muito simples: coloque-se no lugar daquele que precisa ouvir a argumentação para decidir. É óbvio que a pessoa não se sentirá confortável com uma argumentação baseada apenas na emoção, na alteração da voz, no exagero dos gestos. O que qualquer pessoa que precisa decidir espera é ser convencida por argumentos sólidos, apresentados de uma maneira que facilite a compreensão.
Nesse ponto, tenho insistido na necessidade de qualificação técnica da advocacia criminal.
O discurso de defesa que convence é aquele que demonstra a aplicação ao caso de determinado preceito, no qual está fundada a tese defensiva. Para cada pedido, a defesa deve apresentar o fundamento legal. Para cada pedido, já devidamente amarrado na lei, a defesa deve mostrar a dogmática jurídica e os julgados que permitem chegar a esta ou aquela conclusão. Em cada situação, tanto lei, dogmática e julgados devem ser apreciados em todos os pontos, naquilo em que se relacionam ou afastam do caso em estudo. O discurso que convence é aquele que demonstra a necessidade de coerência e integridade do Direito (Lenio Streck).
Cada um tem seu estilo e já estou velho demais para ficar censurando o modo-de-ser-no-mundo das pessoas. De qualquer forma, insisto no meu papel de fazer provocações que façam com que elas reflitam, especialmente aquelas que trabalham com o direito criminal.
Como consta na interessante matéria do jornalista Marcel Hartmann:
“Antes de gritar, reflita
O grito atrai um grito mais alto. Em geral, não dá resultado.
O grito surge quando faltam as palavras. O que você quer que entendam?
O grito é um esforço inconsciente de dominar ou convencer. Tente explicar em palavras o que você sente ou quer dizer.
O grito é compreendido pelo organismo como violência ou ameaça. São realmente essas as sensações que você quer passar?
O grito está ligado à violência (ninguém grita um elogio). Você quer ser violento com quem ama ou com quem convive?
O grito não aproxima, mas afasta e intimida. Você quer ser admirado ou temido pelo seu filho?
O abuso não existe só na violência física, mas também na violência psicológica. O grito é uma expressão disso”.
Uma advocacia criminal pautada pela comunicação não-violenta, pela técnica jurídica, pelo uso da tecnologia, pela educação e pela feição artesanal da profissão. Não se trata de pretender ser o dono da verdade, mas de buscar a formação de pessoas melhores, mais do que apenas criminalistas bons no grito.
Ser melhor para fazer melhor.
Mais não digo.
[i] https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2020/02/o-grito-perdeu-a-forca-em-casa-e-no-trabalho-entenda-o-porque-ck760vz340kox01mv79q64vrf.html (publicado em 28/02/2020 – 10h38min).