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POR QUE DEVEMOS SER MAIS DO QUE CRIMINALISTAS?

A resposta para essa pergunta passa, necessariamente, por outro questionamento: como sabemos que já somos criminalistas? A jovem advocacia, principalmente, se debate com essas perguntas. Quando serei um ou uma criminalista? Como saber se já sou criminalista? Quando alguém tem certeza de que é um criminalista? Ter causas criminais é suficiente?

Tenho dito que a advocacia criminal não é uma escolha, uma decisão, mas uma descoberta. É o que acontece como o amor. Não escolhemos amar, mas sim, descobrimos algo que já aconteceu antes da razão. A decisão pela advocacia criminal decorre desse dar-se conta de que algo já aconteceu, de que o amor pela profissão já está lá, pulsando, vivo, a espera apenas da descoberta. Advogar no crime é perceber que a decisão já foi tomada antes da possibilidade do pensamento. O amor veio antes.

Mas e as causas penais? Com a percepção do amor pela advocacia criminal e a decisão de trilhar esse caminho profissional, é natural que a pessoa procure o aperfeiçoamento por meio de cursos, de seminários, de pós-graduação. Mais do que isso, o apaixonado procura outros semelhantes, nas associações, nas agremiações, na OAB, enfim, o que acaba gerando relacionamento e, com isso, várias possibilidades de trabalho.

Primeiro a percepção do amor pela advocacia criminal. Depois, a decisão de enfrentar os desafios para atuar na difícil área da defesa em processos penais. Em seguida, a busca de crescimento, de relacionamento, de um lugar na arena dos acontecimentos.

Mas o que faz de um profissional da advocacia criminal um bom criminalista?

Em primeiro lugar, a coragem para fazer tudo o que deva ser feito em nome do direito de defesa do cliente. Nenhum receio pode ter o criminalista, quando atua nos limites da lei, na defesa dos interesses daquele que assinou a procuração. Não pode ter receio de desagradar quem quer que seja, porque o criminalista não atua por vaidade ou em busca de valorização pessoal. A vaidade, aliás, é o maior defeito do profissional e, não raro, conduz a graves equívocos nas tomadas de decisões. O criminalista deve ter coragem para fazer tudo aquilo que seja benéfico para o cliente, nos termos da lei, contra tudo e contra todos.

Em segundo lugar, a responsabilidade que advém da confiança depositada na outorga do mandato. Quando o cliente assina uma procuração para um profissional, em verdade ele está entregando a sua vida, o seu futuro, a sua liberdade. O criminalista deve ter consciência dessa responsabilidade, porque fala por quem não pode falar, atua em nome de quem não pode atuar, devendo estar disposto a sacrificar-se para que o máximo seja feito em favor daquela pessoa. Somente quando o advogado empenha toda a força da sua alma na defesa do cliente é que pode sentir a tranquilidade do dever cumprido.

Em terceiro lugar, a ética como limite da sua atuação. O advogado deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance na defesa dos interesses do seu cliente, nos limites da lei e da ética. O advogado pode muito, mas não pode tudo. A ética é sempre o limite e deve dirigir a tomada de decisões do advogado no curso da investigação e da ação penal e toda sua extensão. Promover a ampla defesa não quer dizer fazer coisas erradas para obter uma absolvição injusta, indevida, forjada. A condenação baseada em provas, como resultado de um processo justo, não desmerece a atuação do bom criminalista. O profissional, portanto, não pode abrir mão de uma atuação absolutamente dentro dos parâmetros da ética. 

Atuar com coragem, responsabilidade e ética é aquilo que faz do profissional da advocacia um bom criminalista.

Mas isso basta?

Quero terminar essa breve reflexão, propondo que cada um e cada uma pense nas suas mazelas, nos seus medos, nas tantas inseguranças, naquilo que atrapalha, que dificulta, que impede, nas incertezas e receios, pensar em tudo aquilo que tira a paz e a capacidade de serenidade.

Para ser mais do que criminalista, torna-se fundamental enfrentar-se a si mesmo, interpelar-se, interrogar-se em busca de respostas, desafiar-se, ousar responder as perguntas que intimidam, rever os conceitos, repensar o passado para ressignificar o futuro.

Conhece-te a ti mesmo.

Para acolher a dor do outro, para acalmar a angústia, para serenar o desespero do outro, o criminalista deve buscar estar em paz consigo mesmo. Para estar disponível, deve buscar a leveza de espírito que permita a doação, a entrega, a dedicação sem ressalvas, sem condições, sem falta. O profissional que não assume a tarefa cotidiana do autoconhecimento e da superação das próprias dificuldades, não está apto a acolher, na sua inteireza, o sofrimento do outro.

Assumir a responsabilidade pelo autoconhecimento e, com isso, pelo conhecer-se, aceitar a tarefa diária de afirmação da própria individualidade.

Torna-te quem tu és.

Ser mais do que criminalista é aceitar a maravilhosa tarefa do amadurecimento, que comporta deixar o tempo fazer o seu serviço, para que a experiência seja o resultado daquilo que fazemos com o que a vida nos oferece. Por isso, a tarefa é maior do que se tornar um profissional da advocacia criminal. A tarefa é ser um humano melhor, pelo respeito a si mesmo e ao outro. O humano melhor que se entrega, com toda a sua humanidade, para uma advocacia artesanal corajosa, responsável e ética.

Mais não digo.

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