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IMPRENSA NÃO GANHA JÚRI

Está lá um corpo estendido no chão.

A perícia ainda não chegou ao local do fato, mas a imprensa já está fotografando o cadáver para publicar, imediatamente, todos os detalhes da cena na edição on-line do noticioso. O repórter, fazendo as vezes de investigador, passa a ouvir os familiares da vítima, algumas pessoas que já são tomadas como testemunhas e, instantaneamente, pública a versão das pessoas ouvidas, já fazendo o julgamento do acusado. Culpado.

Não há inquérito instaurado, não há tomada de depoimentos, sequer a perícia chegou ao local, mas a imprensa já é capaz de dar ao público uma possível solução para o acontecido. O réu é culpado. Em pouquíssimo tempo, a imprensa já tem um autor, um motivo, uma dinâmica provável para o acontecido, sendo que, como decorrência disso tudo, a matéria jornalística já carrega também a dor da família do morto e o seu clamor por justiça, que será depois interpretado como “clamor público, ou seja, a imprensa cria o ambiente e apresenta todos os elementos para a decretação da imediata prisão daquele que foi apontado como principal suspeito.

Pensem no exemplo de uma criança morta de forma covarde e violenta. É perfeitamente natural que todos sejam tomados por um sentimento de raiva muito grande. A imprensa, pelas pessoas responsáveis, passa a ideia de que apenas traduz esse sentimento, que ela apenas dá vazão ao que está no entorno dos acontecimentos. Algumas vezes sim, mas nem sempre. Geralmente, não.

Veja que o repórter entra em contato com o delegado de polícia e com o promotor justiça, questionando sobre os principais aspectos da investigação, da acusação, da prisão etc. Está posta a versão acusatória. Ela é que será tomada como a verdade do acontecido pela população.

Depois disso, o jornalista vai ao juiz para saber sobre a prisão decretada, sobre o caso, sobre os próximos passos.

Todos foram ouvidos. Mas e a defesa?

Quando o repórter finalmente chega no defensor, geralmente não obtém qualquer declaração. Isso acontece, principalmente, porque o criminalista ainda não obteve acesso à integralidade da investigação. Muitas e muitas vezes, o repórter sabe mais dos fatos do que a própria defesa do acusado, porque a acusação fala quase tudo para a imprensa, mas nega acesso aos documentos para a defesa. A imprensa noticia os fatos e dá maior dimensão ao trabalho dos acusadores, colocando essa atuação em evidência. A defesa, por outro lado, na visão encurtada de certos operadores, é vista como obstáculo, como incômodo, como algo que atrapalha.

Outra razão frequente dessa falta de comunicação é o receio de parte do defensor, por não se sentir apto ou preparado para esse tipo de situação. Temeroso de dar alguma declaração errada ou de prejudicar o cliente de alguma forma, o profissional prefere renunciar ao espaço aberto pela imprensa para a apresentação do contraponto.

De fato, o trabalho da imprensa pode prejudicar bastante a defesa. Em muitos casos, sem qualquer investigação oficial, o acusado é tomado como culpado pelo editorial da empresa de notícias, tendo toda a sua história de vida revirada e exposta para a discussão pública.  

Carnelutti, nas Misérias do Processo Penal, afirma: “Santo Agostinho escreveu a este propósito uma de suas páginas imortais; a tortura, nas formas mais cruéis, está abolida, ao menos sobre o papel; mas o processo por si mesmo é uma tortura. Até um certo ponto, dizia, não se pode fazer por menos; mas a assim chamada civilização moderna tem exasperado de modo inverossímil e insuportável essa triste consequência do processo. O homem, quando é suspeito de um delito, é jogado às feras quando se dizia uma vez dos condenados oferecidos como alimento às feras. A fera, a indomável e incansável fera, é a multidão. O artigo da Constituição, que se ilude de garantir a incolumidade do acusado, é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa. Logo que surge o suspeito, o acusado, a sua família, a sua casa, o seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. O indivíduo, assim, é feito em pedaços” (CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Conam, 1995, p. 45-6).

Nessas situações em que a imprensa acaba desempenhando um papel desfavorável à defesa é fundamental que o criminalista esteja preparado para ocupar os espaços de discussão do caso que são oferecidos pelos veículos. Obviamente, que esses espaços devem ser ocupados de forma comedida, estratégica e inteligentemente. O defensor atento ao processo e suas particularidades deve saber quando e como intervir, ocupando o espaço destinado para a manifestação defensiva.

Veja que, em alguns casos, não é uma opção. Dependendo da situação, uma rápida e precisa atuação do defensor pode esclarecer ponto essencial e evitar uma prisão desnecessária e ilegal ou, em outra hipótese, propiciar um novo olhar da população sobre a acusação posta contra o acusado. Uma entrevista com o réu pode servir para que sua imagem passe de monstro a homem do povo, pessoa com erros e acertos, enfim, pode ser capaz de reconstruir a imagem abalada pelas notícias a respeito do crime horrendo.

Uma coisa é certa, a imprensa pode prejudicar a defesa, mas não ganha o Júri.

A experiência em casos de repercussão tem demonstrado que o papel do advogado é estar preparado para atuar diante da mídia, entendendo como funcionam os meandros da produção da notícia, desde a captação até a seleção das imagens, das falas, dos títulos e do espaço que terá na edição do veículo. Tudo é importante. Não há espaço para hesitação.

Advogar é ser a voz do acusado e indispensável lembrar sempre que: paz sem voz, não é paz, é medo.

Mais não digo.

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