Recebo acadêmicos e jovens advogados para conversar em meu escritório[1], além de muitas mensagens semanais pelas redes sociais, sobre um tema bastante recorrente: como começar na advocacia criminal.
Trago uma dessas mensagens, com a generosa autorização do remetente[2], para ilustrar um pouco da angústia que assola a maioria dos estudantes e jovens profissionais que se encontram diante do desafio de sair da faculdade, receber o canudo, passar na prova da ordem e, finalmente, realizar o sonho de ser advogado criminalista.
Disse o remetente: “Prezado Professor, bom dia! Talvez o Sr. nem leia o que escreverei daqui em diante, porém, são palavras sinceras e escritas do fundo do coração”.
Pois bem. Já de início devo dizer que uma das reclamações mais comuns desses amigos com quem converso sobre as questões da advocacia criminal é exatamente não terem com quem dialogar sobre seus dilemas, sobre as dúvidas, sobre as tantas perguntas, quase todas sem respostas. Em muitos casos, minha disponibilidade gera uma certa surpresa. O convite para um chimarrão ou a resposta (ainda que atrasada) para a mensagem que chega pela rede social, é recebida com bastante alegria e mesmo algum constrangimento. Pois eu reafirmo que esta é a minha forma singela e verdadeira de trocar experiências e de fazer amizades, num mundo onde muitos esperam apenas seguidores. Siga-me, mas não me incomode.
Na sequência da mensagem, narrando aquilo que também é bastante comum, meu amigo fala da dificuldade para superar as adversidades da Faculdade de Direito. Dificuldades que são para todos, embora com diferenças aqui e ali, mas que não são capazes de impedir que se vá adiante, na busca de alcançar o sonho de ser criminalista. “Lamentar é o primeiro passo para o fracasso”, afirma o remetente da mensagem.
O direito penal, o processo penal e, principalmente, o Tribunal do Júri, mobilizam os estudantes a cursarem a faculdade de direito. Os filmes, os noticiários, a grande atuação de advogados que se tornam famosos em casos de repercussão são alguns dos fatores que motivam as pessoas a buscarem a formação jurídica. Durante a faculdade de direito, entretanto, alguns poucos acadêmicos mantêm-se firmes na sua vocação para a advocacia criminal. A maioria, infelizmente, sucumbe pelo caminho, por falta de professores que sirvam de inspiração (cada vez mais raros) ou pela cultura do concurso público, já que ter um emprego fixo e com salário garantido significa “existir”, “ser alguém”, “estar incluído”, nesse mundo onde quem não tem, não é.
Não resta dúvida que estudar para concurso público é a primeira opção da maioria dos alunos, atualmente. Poucos são os vocacionados que persistem. Estes últimos são aqueles que, como o remetente da mensagem, atuam com alegria e entusiasmo nos chamados júris simulados, nas oportunidades práticas, nos serviços de assistência das faculdades, enfim, tornam-se exceção. Não é admirável que sintam tanta solidão e não tenham com quem conversar.
Outro ponto muito importante está ligado ao estágio. Uma boa parte dos acadêmicos passa grande parte do tempo de faculdade, trabalhando (remunerados ou não) em órgãos do poder judiciário, ministério público, defensoria, procuradorias municipais, autarquias, etc. Uma parte menor dos estudantes consegue emprego em escritórios, porém, na maioria das vezes, fazendo trabalhos de office-boy, secretaria, arquivo, dentre outras funções sem ligação com a prática forense.
O resultado é que a maioria dos acadêmicos, não sabe “peticionar”, não sabe onde fica ou como funciona o presídio ou a delegacia, ou seja, saem da faculdade sem ter experimentado, na prática, como funciona um legítimo escritório artesanal de advocacia criminal.
Mesmo assim, a quase totalidade dos acadêmicos, é verdade, almeja passar na criticada e temida “Prova da Ordem”, com suas questões objetivas de concurso público, prova dissertativa com a peça processual. Uma, duas, três ou mais tentativas até obter a “vermelhinha”.
Mas e agora? O que fazer para ser um advogado criminalista?
Agora é não desistir. Aconteça o que acontecer: não desista. Quando alguém lhe disser para não seguir em frente e tentar concurso: não desista. Quando o escritório trabalhista ou civilista propor que você fique e abandone a ideia do escritório criminal: não desista. Caso você fique sem salário e em dificuldades financeiras: não desista. Depois de ter ingressado na faculdade com o sonho de ser criminalista e ter suportado todos aqueles semestres, estudando direito previdenciário, direito das coisas, horas-extras, ICMS, títulos de crédito, enfim, depois de ter sobrevivido a toda aquela quantidade de matérias insuportáveis: não desista.
Aprovado na OAB, juramento feito e carteira profissional vermelha na mão: nunca mais desista.
Mas, além de não desistir, como fazer para começar a advogar na área criminal? Acontece que os bons escritórios de advocacia criminal, dificilmente possuem vagas para novos advogados, já que, muitas vezes, os neófitos não se apresentam com a necessária desenvoltura para atuarem em flagrantes, audiências, julgamentos, etc. Claro que não, pois nunca tiveram a oportunidade nos estágios ou nas cadeiras práticas da faculdade.
E agora? Como faz para começar?
Tenho certa restrição por textos que passam os dez mandamentos do sucesso, as cinco atitudes do cara legal, as três frases de quem sempre ganha. Nada contra, apenas não creio em manual para a vida. Já falei: acredito em não desistir. Por isso mesmo, não quero que esse escrito, em forma de diálogo livre, seja recebido como uma receita, como uma lista de pontos a serem seguidos, um checklist para o sucesso, porque, verdadeiramente, não é.
Estou apenas trocando ideias.
Em primeiro lugar, é fundamental acabar com o mito de que apenas o concurseiro deve estudar a dogmática jurídica, a técnica, a teoria. A ilusão de que saber a teoria é algo desnecessário para a prática da advocacia criminal é uma gigantesca bobagem, por qualquer ângulo e por qualquer fundamento. A frase é mágica: toda a teoria sem prática é inútil e toda a prática, sem teoria, tende a ser burra. Portanto: estude!
Antes e depois.
A graduação não oferece o mínimo indispensável para o desempenho, nem razoável, da advocacia criminal. Tenho insistido com quem converso, que o TCC não pode ser apenas o trabalho mais fácil, o que possui mais livros ou, o que é pior, ser o tema escolhido em função do professor (mais amigo, mais aberto, mais disponível). O tema escolhe o aluno e o aluno deve escolher o tema com os olhos no futuro. Será um relacionamento, muitas vezes difícil, com altos e baixos, mas que precisa estar cercado de muita paixão. Assim, não pense no professor orientador, na banca, na facilidade ou na dificuldade do tema: pense na pós-graduação, no mestrado, no doutorado. Mas pense, também, no exercício da advocacia, ou seja, em que ponto o objeto de estudo terá relação com sua vida profissional, utilidade para seus colegas e clientes, enfim, escolha um tema que faça você ter tesão pela leitura, alegria pela escrita e muita satisfação pelo resultado em cada etapa. Portanto, caso ainda dê tempo, vá mudar o tema do TCC. Vá lá mudar o tema e apaixone-se pelos próximos quarenta anos de estudo e prática.
Outro aspecto bastante importante, que vale para os acadêmicos, é aprender que o advogado (privado) necessita manter uma boa rede de relacionamentos que possibilite chegar aos temas de interesse acadêmico e da profissão. Mantenha contato com os professores e com os colegas de faculdade, com ex-empregadores, com novos grupos, enfim, mova-se.
Além disso, como a advocacia criminal é para lutar, o jovem advogado tem a obrigação de buscar associar-se a entidades de defesa das prerrogativas, tais como a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Participar de um grupo de colegas que buscam alternativas para as questões da profissão, aumenta o relacionamento, abre novas frentes para formação de amizades e laços, serve para o aprendizado de aspectos da vida prática, mas, fundamentalmente, faz você contribuir para melhorar sua própria vida como profissional.
Outro ponto. Comecei a advogar quando não existia uma defensoria pública organizada.[3] Tive a oportunidade de atuar em mais de uma centena de julgamentos no Tribunal do Júri como advogado dativo, o que ainda faço. Obviamente, portanto, tive uma escola de prática com muita demanda. Atualmente, a Defensoria está presente nas principais cidades, mas é muito carente em vários recantos do País.[4] Por essa razão, sempre oriento meus jovens amigos a conversarem com os aguerridos defensores da cidade, buscarem atuação em situações de colidência de defesa, enfim, estarem disponíveis para a atuação dativa responsável, sempre compensadora em todos os sentidos.
Encerro esse texto, sem tratar da formação de sociedade com colegas da mesma área ou de outras áreas, discussão de percentual, organização da estrutura, contato com novos clientes; sem falar da publicação de artigos, de livros, gestão das redes sociais, do site do escritório, criação da marca; sobre como fechar o contrato de prestação de serviços e cobrar honorários; sobre como tomar decisão diante de flagrantes, respostas, HC; enfim, não há espaço aqui e nem erva mate que dure para tanto assunto. Aliás, para tratar disso tudo mais a fundo, criei uma escola. Sintam-se convidados.
Na verdade, como dito, meu objetivo aqui foi apenas trocar algumas vivências e as impressões, a partir da convivência crescente com essa demanda por diálogo e amizade. Espero não ter sido superficial ou enfadonho.
Afinal, de tudo o que eu possa dizer sobre a prática da advocacia criminal, fica aqui o meu registro definitivo: pratique nunca desistir.
Mais não digo.
Notas e Referências:
[1] Naquilo que chamo de “A HORA DO MATE”.
[2] A mensagem chegou pelo facebook e, em resposta, solicitei autorização para fazer uma resposta abrangente, que pudesse alcançar outras pessoas com os mesmos questionamentos, o que foi prontamente autorizado pelo colega. Nesse exato momento, surgiu a ideia de publicar esse diálogo e as questões dele decorrentes aqui no Empório do Direito, pela liberdade editorial, pelo tipo de público que acessa o portal, além, é claro, pela possibilidade de que esse escrito signifique alguma forma de incentivo para quem vive momentos de angústia.
[3] Assim como o remetente da mensagem que serve de fio condutor deste escrito, peguei a carteira com 22 anos de idade (em 5 de janeiro de 1996, portanto, já há algum tempo). Conto sempre, nesses diálogos com estudantes e colegas, que minha decisão pela advocacia criminal aconteceu aos seis anos, vendo meu velho atuar no júri da Comarca do Alegrete/RS. Logo que eu vi a sessão de julgamento, tive certeza que era aquilo que eu queria fazer. E foi assim que, menos de trinta dias depois da colação de grau, entrei no plenário para meu primeiro júri.
[4] Sou um admirador entusiasmado da carreira de Defensor Público. Tenho mantido contato com Defensores de todo o país e essa convivência só faz aumentar minha devoção por essa missão. Da mesma forma, aumenta minha responsabilidade em apontar a situação de abandono estrutural das defensorias pelo Brasil, situação tão lamentável, quanto politicamente intencional. Só haverá ampla defesa quando o orçamento da Defensoria Pública for idêntico (ou superior) ao que é destinado para a acusação (polícias e ministério público). A defensoria deve ser a maior instituição jurídica brasileira, nesse país de refugos humanos, excluídos pela miséria e falta de oportunidade.