Li por aí, num desses memes de redes sociais, a frase que é o subtítulo deste escrito, o qual reflete bem a situação dos advogados que acabaram de sair da faculdade e que passaram agora mesmo na prova da OAB. Quando se dirigem ao mercado em busca de espaço em algum escritório de advocacia ou pretendem abrir seu próprio escritório, sempre aparece a questão da experiência. Fico pensando na célebre frase de Albert Camus: “Não se pode criar experiência. É preciso passar por ela”.
Mas como ter experiência?
Pois bem. Muitos alunos questionam como devem fazer para adquirir experiência na área criminal, se não conseguem espaço, exatamente pela falta de experiência. Cria-se um paradoxo complicado de resolver, pois os escritórios exigem, como requisito para a contratação, que o candidato seja novo (em função da remuneração baixa) e que possua experiência na área criminal. Daí fica difícil…
Na minha modesta opinião, a situação pode e deve ser encarada de outra maneira, tanto pelo acadêmico da faculdade de direito, quanto pelo advogado recém-formado.
Para aquele que ainda está cursando a faculdade, mas pensa em ser criminalista, o conselho é bastante simples: escolha o tema do seu TCC, pensando no tipo de advocacia que pretende construir, no tipo de matéria com a qual pretende trabalhar, no enfoque crítico-garantista e prático capaz de gerar a conexão da dogmática com a futura atuação. Atualmente, não há mais espaço para trabalhos que não despertem a atenção do acadêmico para um olhar crítico sobre a realidade.
Salo de Carvalho, no indispensável “COMO NÃO SE FAZ UM TRABALHO DE CONCLUSÃO”[1], alerta para os diversos equívocos cometidos pelos acadêmicos, desde a escolha dos temas até o enfrentamento do conteúdo. Como bem diz o Salo, deve-se respeitar a História, ou seja, não é possível percorrer séculos em poucas páginas, tampouco tratar períodos históricos como blocos harmônicos e monopolísticos. Salo adverte, com razão, que mero levantamento bibliográfico não constitui um trabalho teórico, pois estes implicam reflexões profundas sobre temas e problemas. Da mesma forma, não se pode tratar relatório de pesquisa como pesquisa empírica, enfim, os alertas feitos pelo Salo são muito importantes e demonstram a ponta do iceberg.
Com a percepção dessas questões, o estudante da faculdade de direito que pretenda advogar no direito criminal deve estar atento para desvendar – academicamente – um ponto específico da doutrina e que tenha reflexo na prática da advocacia. Seja qual for o tema, sobre processos de competência do júri, sobre as controvérsias presentes nos processos pela Lei de Drogas, nas questões de delação premiada, de ações penais sobre crimes econômicos, o aluno deve construir um TCC que sirva de início de caminhada para a segunda fase: a pós-graduação.
O acadêmico de direito que tem a advocacia criminal no horizonte profissional, portanto, deve trabalhar com o aprofundamento teórico de todas as questões penais que tiver contato durante o curso, buscando mais do que, simplesmente, decorar teorias para responder questões de concurso em provas absurdamente desligadas da vida real. Querer mais do que é oferecido pela faculdade já constitui um primeiro passo para evitar a situação de desespero (pelo despreparo) no início da carreira.
Mas e depois da formatura?
O profissional recém-formado deve, da mesma forma, fazer o aprofundamento teórico do tema (de alguma forma) relacionado à prática da advocacia que exerce ou pretende exercer.
A falta de experiência (que gera escassez de oportunidades) em algum ponto específico da prática pode e deve ser suprida pelo profundo conhecimento teórico-dogmático-acadêmico a respeito deste mesmo ponto. Engana-se quem pensa que é apenas o conhecimento da prática que importa, uma espécie de saber fazer, porque aprendeu fazendo. Sem dúvida alguma, o bom exercício da melhor defesa depende (e muito) de horas e mais horas de teoria, de leituras de leis e textos acadêmicos, de julgados e comentários, enfim, é fundamental que o profissional desperdice muito tempo debruçado sobre o assunto, palmeando todas as discussões, as interpretações, para que a defesa percorra o caminho da boa hermenêutica, construída desde uma visão de coerência e integridade (Dworkin/Streck).
O direito, desde uma visão contemporânea, não pode mais admitir aquele profissional antes reconhecido apenas como um “bom prático”.
A busca de aperfeiçoamento acadêmico na área criminal, além de provocar o aumento da autoestima do criminalista, ao promover sua imagem de pesquisador no assunto, pela quantidade de textos publicados sobre a matéria, pelas citações de outros autores e até de julgadores, traz a segurança necessária para atuar diante das adversidades e complexidades do caso concreto.
Definitivamente, não há como desenvolver de forma adequada a defesa criminal de alguém, sem o necessário aprofundamento das questões teórico-práticas envolvidas. Em palavras bem simples: ESTUDE.
Rafael Tomaz de Oliveira, sobre a persistência do dilema teoria/prática, afirma que a filosofia grega estabeleceu critérios de diferenciação para os modos de o ser humano se relacionar com o saber: a episteme, a phronesis e a techne. Rafael, no que tange ao Direito e, mais especificamente, ao seu ensino, destaca ser instigante o fato de estarmos sempre às voltas com a diferenciação que coloca em polos opostos, incomunicáveis até, a teoria do direito e as práticas jurídicas. Conforme o autor: “Não faltam vozes para afirmar, por exemplo, que “o direito se aprende na prática”. Um jargão que pode ser ouvido da boca tanto de estudantes quanto de professores”[2].
Por estar plenamente de acordo com Rafael, cumpre que eu faça aqui um alerta para ser bem compreendido. Nas palavras do autor: “Devo de plano confessar que esse culto desavisado ao “conhecimento prático” do Direito gera em mim enorme perplexidade. Percebo que, muitas vezes, esse tipo de argumento — aparentemente pragmático — acaba servindo como um tipo muito singular de álibi utilizado para esconder a mediocridade intelectual daquele que o emite. Note-se: é muito mais fácil justificar determinada posição sob o argumento de que “assim as coisas acontecem na prática” do que refletir de um modo mais abrangente, buscando conectar os problemas jurídicos particulares com uma série de princípios que compõem o horizonte de nossa comunidade política (algo que exige uma reflexão teórica profunda). Por outro lado, há certo fatalismo nesse tipo de concepção que, na falta de um melhor nome, poderíamos chamar de praxismo casuístico. Trata-se de um argumento particularista que pretende ser utilizado para atacar ou destruir uma proposta teórica que goza de um mínimo de universalidade. Assim, um interlocutor que, nos trilhos de Ronald Dworkin, faz um elogio a teoria e afirma que os casos jurídicos podem e devem ter uma resposta correta a ser descoberta pelos órgãos responsáveis por decidi-la; acaba objetado por uma afirmação simplista do tipo: “ah, mas isso não existe! No final, os juízes decidem mesmo como querem” e, daí, segue-se um exemplo retirado de um julgamento qualquer do qual participou o nobre objetor, provavelmente de um agravo regimental, ou embargos declaratórios de um agravo regimental, ou embargos dos embargos… e por aí vai”.
Não confundam: o enaltecimento da dimensão “prática” do Direito — geralmente entendida como práticas processuais — como se o estudo da teoria jurídica fosse “perda de tempo”. Uma coisa, na verdade, não existe sem a outra.
Para terminar, leia-se com atenção o que escreve Rafael Tomaz de Oliveira: “O Direito, como produto das ações humanas, está desde sempre envolvido em um mundo prático. Ensinar Direito é estar envolvido, ao mesmo tempo, em uma atividade prática e teórica. Não prática no sentido de pura techne, nem teórica no sentido da pura episteme, como se fosse possível uma espécie de “matemática jurídica”. Trata-se, muito mais, de uma prática teórica e de uma teoria virtuosa!”
Mais não digo.
[1] CARVALHO, Salo. Como não se faz um trabalho de conclusão. São Paulo : Saraiva, 2013.
[2] In: https://www.conjur.com.br/2012-ago-11/diario-classe-persistente-dilema-teoria-versus-pratica-direito
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