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A ADVOCACIA CRIMINAL COMO CAMINHADA

Em 2015, com um grupo de amigos, participei de uma Romaria, desde a cidade de Formiga, em Minas Gerais, até a cidade de Aparecida, em São Paulo. Foram cerca de 450 km, em 10 dias, com caminhadas diárias e até 50 km.[i]

Caminhar desde a uma às onze horas da manhã provoca uma série de sensações, que passam da excitação inicial, adaptação e exaustão completa. O passar dos minutos vai provocando um processo de reflexão bastante rico. Uma aventura deste tipo, sem dúvida, transforma a vida de qualquer um. Além do mais, no caso específico, o contato com os romeiros, pessoas realmente simples, cheias de uma fé católica ardorosa, que se dedicam à caminhada em direção ao Santuário de Nossa Senhora de Aparecida como forma de manifestação de fé, de adoração, para pagamento de promessas feitas e graças alcançadas, mas, essencialmente, fazem o que fazem para ajudar aqueles que participam da jornada.

O contato com aquelas pessoas simples, a maioria deles trabalhadores da roça em algum fundão no interior de Minas Gerais, foi o que transformou, definitivamente, a minha maneira de encarar a vida e a profissão. A Romaria é uma caminhada em que chegar ao objetivo é tão importante quanto cuidar de si mesmo e dos companheiros.

Desde 2015, portanto, tenho procurado colocar em prática aquilo que aprendi nos quase 500 km de asfalto, terra, florestas, cafezais, montanhas e planícies. Dos tantos ensinamentos, a coisa mais incrível em toda aquela jornada foi ver o espírito de colaboração e de ajuda ao próximo que se revelava como a tarefa número um de cada participante, a ponto de deixar as próprias coisas de lado, os próprios interesses, para ajudar aquela pessoa que estivesse com algum problema, com alguma dificuldade, mesmo que fosse para conversar, emprestar um ouvido, dar um ânimo na difícil empreitada.

A advocacia pode ser uma romaria.

Eu acredito que a advocacia criminal pode ser encarada como uma jornada na qual as pessoas importam mais do que qualquer outra coisa, qualquer interesse, dinheiro, fama ou bens materiais. Fazer amigos ao longo da caminhada e olhar para a profissão como uma espécie de romaria pode ser um meio de emprestar sentido para os nossos atos e motivo para o enfrentamento de todas as dificuldades do caminho, para superar os obstáculos que insistem em permanecer entre nós e os nossos objetivos.

Nossos clientes precisam ser nossos grandes amigos. Nossos colegas, da mesma forma. Juízes, promotores, delegados, servidores, todos eles podem e devem ser encarados como indispensáveis para que nós tenhamos um caminho na profissão.

Isso quer dizer que todos eles importam. Todos são fundamentais.

Quem cultiva inimizades, destrói pontes, agride as pessoas, falta com a ética acaba construindo um caminho profissional marcado pela solidão e tristeza. A advocacia criminal não precisa ser uma guerra, uma batalha, um combate. O Outro não é inimigo, apenas porque está defendendo uma visão diferente dos fatos, um interesse diferente ou um ponto de vista diferente. O Outro não é um inimigo.

Sem violência e sem agressividade, com muita serenidade e segurança, nós podemos e devemos exercer o nosso trabalho, sem ataques pessoais a quem quer que seja, como forma de defesa de uma tese, de uma ideia. Quem agride, quem grita, quem usa de violência na argumentação, geralmente, está escondendo a própria fragilidade ou a fragilidade da sua tese.

Uma caminhada profissional repleta de amigos, eis o que pode justificar tanto esforço, dedicação, alegrias e frustrações.

Finalizo esse texto, com o registro do meu agradecimento sincero a todos os quase 120 romeiros e, em especial, aos meus amigos Vinícius e Gustavo Porto, Gabriel Henrique, Edimar Mafra, Ricardo Monteiro e Paulo Castro.

Como diz a música, hoje eu ando devagar, porque já tive pressa e levo esse sorriso, porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe, só levo a certeza de que muito pouco sei ou nada sei. Hoje eu sei que é preciso amor para poder pulsar, é preciso paz para poder sorrir, é preciso a chuva para florir. Hoje eu penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente. Hoje eu sei que todo mundo ama um dia, todo mundo chora, um dia a gente chega e no outro vai embora e que cada um de nós compõe a sua história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz.

Conhecer as manhas e as manhãs, o sabor das massas e das maçãs!

Faça da sua caminhada uma homenagem às pessoas que você ama, porque são elas que justificam cada passo, cada tropeço e cada nova caminhada.

Mais não digo.

Notas e Referências

[i] Durante a caminhada, pude recolher fotos e vídeos que resultaram no documentário “Rumo à Casa da Mãe”: disponível em https://www.youtube.com/watch?v=oonakvHnUF4&t=1369s

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